Num discurso afetuoso, Regina Correia foi discorrendo sobre os traços identitários que a escritora deixa transparecer nas suas obras “seguindo, apaixonadamente, os vestígios da menina desarreigada que foi, olhos vidrados na luz do horizonte entre terra e mar, Olinda Beja retoma a voz da mãe que ensina, aconselha, alerta, avisa, mostra, ama, e vai dando voz às vozes anónimas de seu povo irmão. Nos romances. Na poesia. Nos contos. Nas histórias para crianças, como nesta fábula que hoje se apresenta e que narra as aventuras de Simão Balalão, afinal, um menino que haverá de descobrir também o quão valioso é o elo de vida que o liga ao amor maior - sua mãe de sangue e sua terra. São, fundamentalmente, estes dois traços temáticos do livro Simão Balalão, que nos conduziram à biografia da autora - a importância da voz materna - “Kônsê mén non só ká zudá non” “O conselho da nossa mãe é que nos ajuda” e da preservação das raízes (pátrias) - “Téla non sá téla non. Semplé” “Nossa terra é sempre a nossa terra” - epígrafes nas primeiras páginas do livro.”
Para José António Chambel o Simão Balalão é o “menino que nos une, a mim e à Olinda, e que representa a infância que nós não tivemos… os conselhos de mãe que não tivemos na nossa infância. O Simão é tudo aquilo que gostávamos de ter sido, ou de termos vivido”. Recordando os primeiros contactos com a escritora, José Chambel enalteceu a amizade que foi crescendo ao longo dos anos.
No livro, agora apresentado, está um “retrato muito fidedigno, parece um pouco a brincar porque é uma história para crianças, do que é a sociedade são-tomense atual. As questões ambientais, as preocupações com o ambiente, as preocupações sociais, o cuidado com os mais velhos, os conselhos dos mais velhos que se estão a perder… cada vez menos se respeitam… são valores que estão aqui! Este livro eu considero um bom instrumento para poder ser trabalhado em São Tomé na sala de aulas, com os professores, com a consciência do que podem ter, do que podem perder”, deixando um recado aos políticos do seu país, São Tomé, que leiam este livro e que “percebam o que estão a fazer a este país”, pois este livro “é um grito de alerta”.
A história de “Simão Balalão” foi contada por Lukyan, um menino que, à sua maneira, deu a conhecer a todos os presentes a sua visão do livro.
Olinda Beja agradeceu a presença de todos e as palavras ditas, acrescentando emotivamente: “quiseram fazer de mim uma europeia, e por esse motivo me arrancaram, um dia, das costas de mãe África, minha mãe, esperaram que um barco me trouxesse para cá do horizonte, outras terras, outras gentes, outros sóis, onde fiquei à mercê de outras leis, de outros costumes. Repuxaram meus cabelos, alisando-os, dando-lhes nova forma, esquecendo como Medeia penteou os filhos de África e eu… eu sozinha naquele barco grande, no Quanza, ainda para a minha estendendo os braços, para ela estendendo os braços e cantando oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê!… depois mandaram-me à escola e nunca poderei esquecer que foi aqui, deste lado do mar, que, pela primeira vez, peguei num lápis para escrever meu nome e juntei duas cidades… Olinda Beja… mas de vez em quando, de quando em vez, vinha aquela voz oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê!… depois, depois deram-me um colégio por escola, para aprender, enfim, boas maneiras, e poder entrar na sociedade… ai mas naquele colégio ensombrado, naquele colégio fechado meu grito ficou calado, rasguei cadernos de esperança e o diário de criança… saltei, saltei à corda inventada com os amigos do nada e quando de lá saí dei conta que não vivi, não vivi porque me obrigaram, obrigaram-me a decorar todos os reis, seus nomes, cognomes, dinastias e nunca me disseram que na terra do cacau houve um amador tão grande, como qualquer Rei de Portugal. Ensinaram-me a conhecer todas as flores, todas as árvores, seus frutos, mas nunca ninguém me disse que havia tamarindos e papaias, nas terras do Equador… essa linha imaginária que divide o mundo ao meio, que passa na minha terra, donde vinha a tal voz, a tal voz que cantava comigo oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê!… quiseram na realidade fazer de mim uma europeia, quiseram e também fizeram de mim uma europeia, só que se esqueceram de cortar o cordão umbilical que esse ficou preso nas raízes da velha litrineira, que meu bisavô materno plantou na Roça de Molembu… oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê! oh, mamã muê!….
O final do evento ficou marcado com a interpretação pelo grupo de dança de São Tomé e Príncipe, com a dança tradicional e típica ússua.
Sinopse:
Esta é a história de Simão Balalão, o menino ilhéu que tinha no peito o sonho de partir em busca de outros horizontes. Após algumas aventuras mal sucedidas Simão dá conta que só os conselhos da mãe o podem ajudar e finalmente descobre que “a nossa terra é a nossa terra” ou como se diz na língua de São Tomé - tela non sa tela non”.
Biografia de Olinda Beja:
Olinda Beja é poeta e narradora de São Tomé e Príncipe. Porém, com apenas dois anos e meio, saiu de seu país e foi viver em Portugal. Sendo tão pequena, não foi responsável pela mudança de território e muito menos pela história que lhe foi sequestrada. Sua poética traz as marcas dessa vivência e as tentativas de reconstruir, ou construir ao seu modo, a identidade. Ao mesmo tempo, a escritora celebra, na tensão entre os dois mundos, África e Europa, a festa da mestiçagem e o encontro de culturas. Olinda Beja venceu em 2013 o maior prêmio literário de São Tomé e Príncipe, o Francisco José Tenreiro, pela obra "A Sombra do Ocá". É esta a inquietante e também dramática biografia de Olinda Beja.” - Texto de Estella Viana, jornalista brasileira ao serviço da RTE - Feira do Livro/Madrid/junho 2017.