Foi lançado no dia 7 de novembro, na UCCLA, o livro “O Que Falta” do angolano Adolfo Maria, um livro sobre o mundo e as suas gentes revelado em poemas.
Relembrando os primeiros tempos que ouviu falar de Adolfo Maria, através do programa Angola Combatente que o pai ouvia, Inocência Mata destacou o seu papel de “nacionalista e como um dos dirigentes da revolta”, para acrescentar “privilegiados são os angolanos e todos aqueles que se interessam pela história de Angola. Porque Adolfo é um daqueles que venceu o bloqueio do discurso imoralista”.
Sobre este livro “que Adolfo nos dá a conhecer, os 80 poemas que o constituem, fazem parte de uma macro narrativa poética de si, em certa medida uma quase auto ficção, isto é, uma produção híbrida que transita entre a imaginação lírica e as memórias imaginárias de um ator histórico."
O livro reserva “espaços privilegiados” ao amor, à saudade, à mulher, mas “com nítido destaque para o núcleo consagrado à saudade, quase todo ele, dedicado à Lena, se me permite dizer esse nome. Essa mulher que foi companheira inseparável de toda uma vida, de lutas e de afetos, de quem se diz no poema ‘O teu sorriso’”, acrescentando que “muitos são os poemas que o amor pela esposa é exaltado”.
“A mulher, o género feminino, surge como símbolo maior das virtudes da humanidade” no livro, sustentou Hopffer Almada.
Terminou a dizer que estes poemas “podem ter sido o primeiro ato de uma encenação poética que se vai desvendando num processo de redescoberta, de potencialidades, vocações e talentos, quicá adormecidos, desde esses decisivos anos 50 de consolidação do reencontro dos novos intelectuais angolanos consigo próprios e com a terra e o povo que os gerou enquanto pátria, isto é enquanto comunidade política soberana, ou pronta para a soberania. Nascido e amadurecido, intelectualmente, nesses tempos conturbados e heroicos de outrora, de combate pela dignidade humana, como assevera o próprio autor, Adolfo Maria parece ter aguardado todo esse tempo, não para tirar das catacumbas, dos arquivos pessoais, obras já completamente elaboradas nesses tempos, mas para, publicamente, se revelar como escritor novo que conjuga, na sua escrita, a plena maturidade humana da sua já longa experiência de vida pejada de sofrimentos e esperanças, que a sua sensibilidade foi captando e a sua mente foi questionando, e uma estética inserida nos tempos de agora, quer do ponto de vistas das diversas temáticas coloniais e pós coloniais tratadas, quer pelo uso que faz de uma liberdade de criação avessa a gangas político-ideológicas datadas no tempo, mesmo que os nossos tempos também se afigurem cada vez mais como tempos de emergência. É exatamente isso que atesta o presente livro e serás ouvido, caríssimo confrade mais velho Adolfo Maria, como poeta, serás ouvido como poeta tal como foste ouvido como patriota” concluiu Hopffer Almada.
Adolfo Maria começou por agradecer a todos os presentes, saudando “os membros desta mesa, a solidariedade para comigo e as suas intervenções. Não vou particularizar, mas foram muito tocantes e profundas. Quero agradecer ao Fernando Mão-de-Ferro por me ter aturado mais uma vez, ele que criou uma editora com marca na edição, pela abrangência de temas e sua geografia e pelo apoio que dá aos autores. Agradeço o brilho da declamação da poeta Regina Correia, ao ter dado voz à minha voz, frase dela. E do cantor Tonecas Prazeres, que tão bem interpretou a bela música angolana”.
Afirmou “nesta sala está gente com quem fui percorrendo a vida, do combate pela liberdade”, confessando que “nós já somos poucos. São muitos os companheiros falecidos.” Agradeceu ao amigo Vitor Ramalho que lhe “deu uma preciosa ajuda a mim e ao falecido Gentil Viana desde que fomos expulsos de Angola, em 1979, pela ditadura implantada com a independência. O Vítor, brilhante dirigente de privilegiadas instituições, é um cidadão que se bate por África, continente onde nasceu, mais concretamente em Angola”.
Confessou que “no meu já longo caminhar, fui encontrando em Portugal, afinidades, cumplicidades, partilhas várias” e “cheguei a uma fase da vida onde o espaço da ação está naturalmente suplantado pelo da meditação, o que propicia momentos de escrita sobre a forma de poemas, numa vontade de falar a quem procura sentir o mundo. Esse mundo, para mim, é o dos exílios, do amor, da saudade, da sensualidade feminina, da meditação e da nossa finitude. E como digo ali é para mim ‘O Que Falta’” concluindo “este cota continuará o seu combate pela liberdade dos povos e pela dignidade humana. Podem registar, podem anotar, para memória futura.”
O momento musical esteve a cargo de Tonecas Prazeres e a leitura de poemas por Regina Correia.
O livro tem a chancela da Editora Colibri.
Biografia de Adolfo Maria:
Adolfo Maria, nascido em Luanda, entregou-se desde a sua juventude à luta nacionalista para a independência do seu país. Participou no combate cultural (Sociedade Cultural de Angola, jornal Cultura e Cine Clube de Luanda), nos anos 1950; no combate político (no PCA e no MLNA), o que lhe valeu a prisão pela polícia política portuguesa, a PIDE, em 1959; e no combate armado (nas fileiras do MPLA) nos anos 60 e 70 do passado século.
Dentro da luta nacionalista, participou no combate pela democracia no seio do MPLA, em 1974, como membro da tendência Revolta Activa, o que originou um mandado de captura contra vários elementos dessa tendência, em Abril de 1976, cinco meses após a independência de Angola. Adolfo Maria escapou à rusga da polícia do regime, a DISA, e manteve-se escondido durante quase três anos, cessando a sua clandestinidade após o anúncio de amnistia pelo presidente da república; esteve ainda preso pela polícia política e, depois, foi expulso do país em 1979. Esse período que o autor viveu é descrito no seu livro ANGOLA, SONHO E PESADELO e a dramática vivência dessa clandestinidade é-nos transmitida na sua obra ANGOLA NO TEMPO DA DITADURA DEMOCRÁTICA REVOLUCIONÁRIA - POÉTICA DO AUTO-CÁRCERE.
No exílio, Adolfo Maria tem participado em colóquios, conferências, entrevistas e colaborado em publicações angolanas; é membro do painel do programa "Debate Africano" da RDP África. Além dos livros acima citados, publicou ANGOLA - CONTRIBUTOS À REFLEXÃO e os romances NAQUELE DIA NAQUELE CAZENGA e NA TERRA DOS TTR. Todas estas obras foram editadas por "Edições Colibri", em Lisboa.
Sinopse do livro:
Na abertura do livro de poemas O QUE FALTA, de Adolfo Maria, diz o autor:
(...)quando alguém esteve empenhado em combates pela dignidade humana, esperam-se dele escritos ou discursos de análise, denúncia, encorajamento em vez de poemas (...)no meu caso, dediquei a já razoavelmente longa vida a esses combates (...)
Sucedeu que, nessa luta contra a opressão das pessoas e dos povos (duros combates físicos e psíquicos!), a minha sensibilidade captava os sofrimentos e esperanças, a mente não deixava de questionar a realidade que fui encontrando e vivendo. Por vezes registei em prosa e mais raramente em verso o que sentia e pensava.
Agora, cheguei a uma fase da vida onde o espaço da acção está naturalmente suplantado pelo da meditação, o que propicia momentos de escrita sob a forma de poemas, numa vontade de falar a quem procura sentir o mundo (falar de... exílio, amor, saudade...). Para mim é O QUE FALTA.
Neste livro, Adolfo Maria fala do Mundo e das gentes e desvenda-se, através de poemas, numa centena de páginas, divididas pelos temas: do Exílio, do Amor, da Saudade, da Mulher, da Meditação, da Finitude.