A exposição “Frente.Verso.Inverso - Arte Contemporânea dos Países de Língua Portuguesa nas Coleções em Portugal” foi encerrada no dia 11 de dezembro, uma mostra que permitia dar a conhecer a diversidade cultural, a multiplicidade de materiais e as diferentes formas de arte lusófona.
Em representação do Secretário-Geral da UCCLA, Vitor Ramalho, esteve o coordenador cultural da instituição, Rui Lourido. Estiveram, também, presentes a curadora Adelaide Ginga, alguns artistas e representantes das coleções expostas.
Rui Lourido agradeceu o trabalho desenvolvido pela curadora nesta exposição “para deleite dos nossos olhos e para a promoção dos artistas lusófonos, dos colecionadores portugueses que tem sensibilidade para esses mesmos tipos de arte, dos países que falam a nossa língua. No fundo levantam o nosso espírito, o espírito de todos aqueles que falem português nas várias modalidades das artes plásticas, temos desde a escultura à pintura, ao vídeo”, solicitando aos artistas presentes que pudessem partilhar o que os motiva e explicando as suas obras
Adelaide Ginga agradeceu o “desafio da UCCLA, para fazer esta exposição e à equipa que trabalhou, que foi uma equipa incansável na produção que deu, de facto, algum trabalho por envolver uma série de coleções e um conjunto alargado de artistas. O desafio era exatamente esse, o de mostrar a representatividade dos artistas lusófonos nas coleções em Portugal, obviamente que há uma amostra, como todos percebem. Mas procurou-se criar, aqui, reunir um leque interessante daquilo que são os artistas de países de língua portuguesa e, de um modo geral, todos os países estão contemplados. Incluindo também, ainda, uma participação ligada a Macau.”
Este encerramento é, no fundo, a “comemoração daquilo que permitiu unir um conjunto alargado de artistas, de muita qualidade. Porque é isso que importa partilhar, é que os artistas, que muitas vezes acabam por ter menos expressão num ciclo mais formalizado das artes, que são artistas com muita qualidade e precisam de oportunidades para mostrar os seus trabalhos. O facto de mostrar aqui coleções faz com que as pessoas percebam que a qualidade do trabalho permite que eles estejam integrados em coleções importantíssimas.”
Para Francisco Gomes, em representação da coleção de Carlos Gomes, o pai sempre foi “um apaixonado por arte pública e pelos países que falam português em África”.
Para Arlete Alves da Silva, diretora do Centro de Artes Manuel de Brito (que existiu durante 55 anos), África entra nesta coleção “através do Malangatana e da Bertina Lopes. O meu marido apesar de ter comprado imensas coisas ao Malangatana, à Bertina Lopes, ao Chissano, nunca fez uma distinção destes artistas. E, eu e o Rui, o meu filho, já fomos a África, já tivemos aquele choque incrível quando se visita África. Já há outro apego, sobretudo a Moçambique”, acrescentando que já fizeram “2 exposições do Celestino Mudaulane e, para o ano, vamos fazer outra do Mauro Pinto e, portanto, os africanos estão no nosso programa.”
Construir memórias é o reflexo do trabalho do artista Lino Damião, que acrescenta que “é outro tempo que é representado no trabalho… Quem faz a guerra colonial, a independência em Angola e, portanto acho que é fazer, mostrar isso. Agora, também tem uma mistura, eu faço uma ligação com materiais mais atuais com menos atuais.” Para o artista é importante sair da “zona de conforto, há muito material que se encontra pelo caminho, pelas ruas. Então decidi preparar uma placa e as fechaduras que existiam lá no imóvel onde eu trabalho, e as fotografias vêm do arquivo do meu pai e, portanto, o jornal foi mesmo no fim”.
Para o são-tomense Eduardo Malé “o próprio trabalho fala por ele. E acontece exatamente esta situação comigo. Inicialmente comecei com fibras, vários tipos de fibras naturais, depois acabei por terminar com 2 materiais completamente distintos que são 2 tipos de metais, digamos assim, arames. E que nós quando olhamos para aqui sentimos a leveza do fio e permitam-me só ler dois ou três parágrafos que tem a ver com o conceito, com a ideia que eu quero passar, com a ideia dos fios: “Eu digo que a vida é um emaranhado de fios, tecidos com amor. Ora com suor e dor, ora com alegria de quem tece o pano mais raro e belo. Às vezes destecemos a obra já feita para refazer, para voltar a encontrar o fio condutor, o caminho que faz sentido e que nos dá segurança e nos liga à vida.”
Relativamente à sua obra, acrescentou que “a ideia das cabeças” está relacionada com a questão do pensamento em São Tomé, a questão da escravatura. “Durante muito tempo foi-nos dito “Vocês não precisam de pensar, vocês apenas têm de usar a força do trabalho para viver” e esta memória, este castramento, digamos assim, persiste até aos dias de hoje”. Finalizou afirmando que “efetivamente a questão do pensamento, da inteligência e do pensar em si, é uma questão que está na agenda e que é uma preocupação que me vai acompanhar sempre. Daí a questão da representação da cabeça, como o centro do pensamento e os espaços vazios existem, justamente, para dar essa ideia do quão oco, muitas vezes, acabo por ser.”
“Eu sempre quis questionar toda a história da arte que nós aprendemos na escola e a história de Portugal, e quis saber o outro lado da história, porque tenho muita família que esteve em Angola, e no Brasil” começou por afirmar Rita GT, para confessar que “o meu trabalho é sempre esse diálogo que eu estou a construir aos poucos e estamos a falar de um aspeto muito sensível. Eu nunca deixarei de ser uma mulher branca e, por isso, privilegiada em Angola, em África. O meu trabalho é cada vez mais sobre esse estudo, dessa zona, dessa negociação, nessa zona de contacto que eu acho fundamental. E, de facto, estamos a anos de luz desse entendimento e há muitas feridas para sarar, para falar”, uma vez que “nós vivemos num país extremamente racista. Existe todo um trabalho para fazer sobre o que é que aconteceu, sobre todo o sofrimento, a escravatura, a dor. E eu acho que é a nossa responsabilidade, como artistas, falar sobre isso. Por um posicionamento político, ativista e realmente começar a trazer este diálogo, este discurso, porque nós temos de falar muito sobre isso. Há realmente muito para fazer, obviamente esta peça é um… eu trabalho com vários meios, isto é cerâmica”. Finalizou dizendo que “neste diálogo, entre Portugal e África, temos de facto, muito a fazer, a todos os níveis. Mas eu acho que através da arte, da identidade, e da cultura, é um ponto de partida”.

Manuel Botelho começou por explicar que a sua obra é “uma imagem de um dos nossos quarteis do tempo da guerra colonial. Eu não sei qual é bem a localização desta imagem”. Com cerca de 19 anos começou a fazer alguns trabalhos artísticos, pois estudava Arquitetura, “fiz umas colagens que eram sobre a guerra colonial, mas com imagens do Vietname. Porque nós não tínhamos imagens da guerra colonial, nós, a guerra colonial foi totalmente silenciada durante aqueles anos todos. A única coisa que nós conhecíamos eram as mensagens de natal, que é a imagem personificada do silêncio. Repito, isto é um desenho que tem a ver com a desolação e o desencantamento absoluto dos portugueses que estavam a travar aquela guerra, porque eles não estavam lá por querer”.
Para a curadora Adelaide Ginga “esta exposição, como perceberam, reúne uma série de obras que têm esse lado, uma crítica sobre a história, sobre a sociedade, sobre o presente, sobre o passado. Embora não tenha sido apenas esse o objetivo, é representativa do trabalho dos artistas. A verdade é que quando vemos a seleção percebemos o peso de obras de conotação político-social, embora não sejam só, há outras que tem uma maior predominância do ponto de vista formal e estético. Mas é incontornável e esse olhar dos artistas eu acho que nos ajuda muito a compreender, de facto”.
De relembrar que a exposição esteve patente na UCCLA desde o dia 22 de agosto.